"Se vocês querem saber quem eu sou
Eu sou a tal mineira
Filha de Angola, de Ketu e Nagô
Não sou de brincadeira
Canto pelos sete cantos
Não temo quebrantos
Porque eu sou guerreira
Dentro do samba eu nasci
Me criei, me converti
E ninguém vai tombar a minha bandeira"
Foi com esses versos escritos por Paulo César Pinheiro para o samba Guerreira – cuja melodia é de João Nogueira (1941 – 2000) – que Clara Nunes (1942 – 1983) se apresentou na introdução do álbum que lançou em 1978. O segundo verso aludia ao título de outro samba dos cariocas João Nogueira e Paulo César Pinheiro, Mineira, composto em saudação a Clara e apresentado em 1975 na voz de João Nogueira.
Um dos maiores sucessos da cantora mineira, o samba Guerreira deu título ao álbum que, 40 anos após o lançamento, é dissecado na coleção O livro do disco em volume escrito por Giovanna Dealtry e previsto para ser editado no segundo semestre. Inspirada na série 33⅓, essa coleção da editora Cobogó põe em foco um excelente álbum da cantora mineira que, de certa forma, resume a ideologia musical adotada por Clara desde que ouviu o chamado do samba – através do produtor e radialista Adelzon Alves – e, com o samba, alcançou enfim o sucesso que perseguia desde a segunda metade dos anos 1960.
Produzido por Paulo César Pinheiro, Guerreira é o 11º dos 15 álbuns solo da artista. Além do samba-título Guerreira, o repertório do LP posto nas lojas pela EMI-Odeon – única gravadora pela qual Clara lançou discos entre 1966 e 1982 – gerou outros dois sucessos radiofônicos, o samba Mente (Eduardo Gudin e Paulo Vanzolini, 1978) e Candongueiro (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1978), em cuja letra a cantora citou o estado natal Minas Gerais e exaltou a cultura afro-brasileira entranhada na obra de Clara desde 1971.
A mesma Angola mencionada com orgulho no refrão de Candongueiro está no título de Jogo de Angola (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro, 1978), música representativa do álbum Guerreira, embora seja literalmente um lado B da discografia da cantora (a faixa abre o lado B de Guerreira na edição original no formato de LP).
No álbum Guerreira, Clara canta sambas de compositores ligados à escola de samba Portela, apresentando Quem me ouvir cantar (Aniceto da Portela, 1978) e regravando Outro recado (Candeia e Casquinha, 1970). Mas também há pérola do mangueirense Nelson Cavaquinho (1911 – 1986), O bem e o mal, parceria do compositor com o letrista poeta Guilherme de Brito (1922 – 2006).
Um dos grandes títulos de discografia que se tornou imaculada a partir de 1971, Guerreira merece mesmo figurar no panteão dos álbuns antológicos que vem sendo objetos de análise na série O livro do disco.
Fonte: G1 Mauro Ferreira