20/02/2019

Erasmo Carlos ganha filme

Filme que entrou em circuito neste fim de semana, Minha fama de mau oferece recorte bem específico sobre a vida de Erasmo Carlos. Em vez de traçar um completo perfil biográfico deste pioneiro do rock brasileiro que está em cena há quase 60 anos, o diretor Lui Farias põe em foco o despertar do cantor e compositor carioca para a música (através do rock) e a fase de ascensão no reino encantado da Jovem Guarda.

A narrativa cobre o período que vai de 1958 a 1968, ano do fim da Jovem Guarda e da retomada do ritmo intenso da parceria de Roberto Carlos com Erasmo após ruptura que leva o protagonista do filme a uma crise existencial e profissional – mote da única parte densa do roteiro assinado por L.G. Baayão e Letícia Mey com o próprio Lui Farias.

Após briga motivada pelo fato de Erasmo não ter dado o devido crédito a Roberto em programa de TV, a parceria dos compositores foi reaberta a rigor em outubro de 1967 quando Roberto acenou com a bandeira branca ao convidar o Tremendão para escrever a letra do rock Eu sou terrível, carro-chefe da trilha sonora do filme Roberto Carlos em ritmo de aventura (1968), dirigido por Roberto Farias, pai de Lui.

Como Erasmo Carlos se agigantou como artista a partir da década de 1970, o filme Minha fama de mau termina sem dar conta da grandeza do protagonista. Para quem porventura não conhecer o desenrolar da história de Erasmo, fica a sensação de que o Tremendão era artisticamente dependente de Roberto.

Na fase da narrativa que aborda o apogeu da Jovem Guarda, os atores Chay Suede, Gabriel Leone e Malu Rodrigues assumem o protagonismo do filme. Como o trailer do filme já havia sinalizado, o franzino Chay Suede surge na pele de Erasmo sem o physique du rôle para convencer fisicamente como o protagonista, robusto desde a juventude. Chay compensa com o notório talento de ator a falta de adequação física ao papel.

Com linguagem pop enfatizada na parte inicial com recursos gráficos das histórias em quadrinhos, o filme Minha fama de mau embaralha estéticas cinematográficas ao longo do roteiro sem sair totalmente do enquadramento televisivo. Artificiais, os comentários dirigidos ao espectador pelo protagonista interrompem o já fluido fluxo narrativo e destoam da opção mais conceitual de escalar uma atriz, Bianca Comparato, para o papel de quatro mulheres que cruzam a vida de Erasmo.

Como o diamante do título de outro filme feito por Roberto Farias com o trio protagonista da Jovem Guarda, Minha fama de mau é cor-de-rosa. Por isso, devem ser aceitas licenças poéticas e musicais como a evocação instrumental de Azul da cor do mar (Tim Maia, 1970) fora da ordem cronológica e como o uso da canção Amigo (Roberto Carlos e Erasmo Carlos), de 1977, para reforçar os laços de fraternidade que, de certa forma, sempre uniram Erasmo Carlos e o irmão camarada Roberto Carlos.

Essa amizade é o glacê sentimental de filme feito com a proposta de oferecer entretenimento. Tudo a ver, afinal, com o conceito da Jovem Guarda, que, a despeito de toda a aura de rebeldia, apenas traduziu e aclimatou para o Brasil uma revolução de costumes que já acontecia em todo o universo pop.

O único real (e grande) legado da Jovem Guarda foi o cancioneiro de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, construído em parceria aberta em 1963 com o rock Parei na contramão. Ouvido em maioria nas vozes dos atores do filme, esse cancioneiro aumenta o poder de sedução de um filme cuja narrativa é interrompida justamente quando, após se sentar perdido à beira do caminho, em 1969, Erasmo Carlos reencontra o rumo e segue pela contramão, na direção oposta de Roberto Carlos.

 

Fonte: G1 Mauro Ferreira

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