Quando subiram juntos num palco pela primeira vez, para apresentar o show "Nós, por exemplo…", no Teatro Vila Velha, em 1964, o formando em Administração e fiscal da Alfândega Gilberto Gil, o segundanista de Filosofia Caetano Veloso, a secundarista Maria Bethânia, a balconista Gal Costa e o bolsista da Escola de Música Tom Zé estavam atando para sempre o destino de suas carreiras musicais.
Antes de virarem tropicalistas e doces bárbaros, os jovens baianos pisaram primeiro no palco do Vila Velha, para em seguida ganharem o mundo a partir do que fizeram no teatro que Gilberto Gil chamou de "pia batismal dos artistas baianos".
Os detalhes desse espetáculo são pouco conhecidos, mas estão surpreendentemente preservados por uma gravação em áudio ainda inédita, guardada há mais de meio século por Djalma Corrêa, baterista da trupe, que prepara um documentário com o material.
A oportunidade de fazerem o show surgiu quando o diretor João Augusto (1928-1979) disse ao produtor Roberto Sant'Ana, seu aluno na Companhia Teatro dos Novos, que a peça Eles não usam Black Tie, um dos espetáculos programados para a inauguração do Teatro Vila Velha, não ficaria pronta a tempo. Ele sugeriu que, para substituir a peça, Roberto montasse um show com sua turma de música.
Roberto contou a novidade na varanda de azulejos marrons da casa da atriz Maria Moniz, onde costumavam se reunir com Gil, Caetano, Bethânia, Gal, Tom Zé, Djalma, Perna Fróes, Orlando Senna, Emanoel Araújo, Fernando Lona e Alcyvando Luz.
Foi de Caetano a ideia de chamar o grupo e o show de "Nós, por exemplo…", mas os primos Roberto e Tom Zé acharam o nome uma tremenda ousadia, com Roberto argumentando que ainda não eram exemplos de nada, apenas simples estudantes fazendo música. A ideia de Caetano prevaleceu: "O 'por exemplo' aí queria dizer não que nós éramos um modelo a ser seguido, um exemplo, mas que tínhamos a certeza de que havia muitos outros, toda uma geração a que nós, 'por exemplo', pertencíamos, e que devia sua existência ao aparecimento da Bossa Nova", explicou Caetano em seu livro Verdade Tropical.
Para formar o repertório, Roberto Sant'Ana pediu uma cota de músicas autorais aos compositores do grupo, mesclando com os clássicos da Bossa Nova e do cancioneiro popular sugeridas por cada um dos participantes. A turma ensaiava e também dava uma ajudinha para que o Teatro Vila Velha, no Passeio Público, próximo ao Palácio da Aclamação e ao Hotel da Bahia, ficasse pronto.
Perna teve que se virar para arranjar um piano de armário que a Companhia Teatro dos Novos tivesse condições de comprar, enquanto as cadeiras do teatro foram adquiridas de um cinema em Santo Amaro, que estava fechando as portas, graças à indicação de Rodrigo Velloso, irmão de Caetano e Bethânia. Ativo jornalista cultural, Orlando Senna cuidou da divulgação publicando pequenas entrevistas, reportagens e fotos com a turma, preparando o clima para o grande dia.
Fonte: G1 Música