11/03/2019

Disco em homenagem a Inezita Barroso

"Lampião de gás / Lampião de gás / Quanta saudade / Você me traz".

Quando cantam o refrão de Lampião de gás (Zica Bergami, 1958), As Galvão, Maria Alcina, Consuelo de Paula e Claudio Lacerda parecem estar exprimindo a nostalgia não do lampião de gás, símbolo romântico de uma infância feliz na letra da música, mas de Inezita Barroso (4 de março de 1925 – 8 de março de 2015).

Inezita foi a intérprete que mais bem acendeu Lampião de gás, música que fecha o disco ao vivo gravado pelos artistas em tributo a essa cantora paulista de obra e memória identificadas com os sons de um já diluído Brasil regional, orgulhosamente caipira e interiorano.

Lançado pela gravadora Kuarup na primeira semana deste mês de março de 2019, quando a morte de Inezita Barroso completa quatro anos, o disco Canta Inezita perpetua 15 dos 19 números do show apresentado e gravado em agosto de 2018, na cidade de São Paulo (SP), com produção de Thiago Marques Luiz.

O tributo resulta bonito, harmonioso na combinação das várias veredas do sertão plural que gerou a obra regionalista da cantora paulista. Diretor musical e arranjador do show, Paulo Serau entendeu que Inezita extrapola a moda de viola.

A rigor, a cantora sempre foi muito além das porteiras abertas pelas duplas caipiras, embora também tivesse dado voz ao cancioneiro sertanejo em tempos em que o gênero ainda não havia se amalgamado com o pop urbano.

No recorte vivaz desse regionalismo multifacetado que pautou a obra da artista, o sertanejo está bem representado pelos fios com que Consuelo de Paula e Claudio Lacerda (na segunda voz) tecem a amarga teia afetiva que costura a guarânia Colcha de retalhos (Raul Torres, 1959) e pelo amor à terra que sacode Poeira (Serafim Colombo Gomes e Luís Bonan, 1967) – no solo afinado do mesmo Claudio Lacerda – e que também exala forte em Cheiro de relva (Dino Franco e José Fortuna, 1983) nas vozes cheias de sentimento e história d'As Galvão em gravação que o violonista Mario Campanha cita o sertão refinado de Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959).

Contudo, o sertão de Inezita Barroso sempre foi amplo, embutindo um Brasil rural que já gemia no toque da viola antes mesmo de a música sertaneja ser criada e rotulada pelo mercado. Esse Brasil pulsa em Viola quebrada (Mário de Andrade e Ary Kerner Veiga de Castro, 1928), solo de Consuelo de Paula, intérprete a quem também foi confiado o samba--canção Ronda (Paulo Vanzolini), composto em 1951 e lançado por Inezita em gravação de 1953.

No registro do disco Canta Inezita, Ronda gira com arranjo que remete aos sons dos conjuntos regionais que deram o tom da música brasileira até os ventos de modernidade que sopraram ao longo da década de 1950, culminando com a revolução da Bossa Nova em 1958.

Sem se prender a movimentos, Inezita Barroso foi também uma cantora do folclore de várias regiões do Brasil. A região de Mato Grosso é evocada na saudade cortante que afia Cuitelinho, outro solo de Claudio Miranda.

Com a habitual expansividade, Maria Alcina também expõe bem essa vertente do canto múltiplo de Inezita quando dá voz ao tradicional tema gaúcho Prenda minha, mas sai do universo de Inezita e atua como Alcina quando acentua a malícia sensual de Balaio (Barbosa Lessa e Paixão Cortes, 1956).

Nesse números de caráter mais folclórico, o acordeom de Ana Rodrigues sobressai nos arranjos elegantes de Paulo Serau. Enfim, Inezita Barroso foi artista de expressividade tão grande que o disco consegue somente dar uma amostra da extensa obra deixada pela artista.

De todo modo, a amostra do álbum ao vivo Canta Inezita – editado em CD com encarte farto que reproduz as letras das músicas – honra o legado dessa cantora que viveu e morreu fiel ao Brasil no qual acreditava.

 

 

Fonte: G1 Mauro Ferreira

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