"Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes / Tanta dor rouba nossa voz, sabe o que resta de nóiz? / Alvos passeando por aí / Permita que eu fale, não as minhas cicatrizes / Se isso é sobre vivência, me resumir a sobrevivência / É roubar o pouco de bom que vivi"
Os versos do poema Permita que eu fale, escritos por Emicida e inseridos na música AmarElo na vozes de Pabllo Vittar e Majur, fortalecem e levantam a voz – e a autoestima – do "povo oprimido nas filas, vilas e favelas" de que falou Caetano Veloso na letra da canção Sampa (1978).
Já nas plataformas, este segundo single do terceiro álbum do rapper paulistano, também intitulado AmarElo, está sendo promovido com clipe que acentua a força do discurso social do artista. Inclusive pelas presenças das cantoras Pabllo Vittar e Majur, representantes da diversidade sexual e da liberdade de cada um ser o que é na vida e na música – causa também abraçada por Emicida.
AmarElo é parceria de Emicida com Felipe Vassão e DJ Duh, autores da música. Escrita somente por Emicida, a letra de AmarElo paira soberana sobre a batida do fonograma produzido por Vassão. O uso do sample da gravação original de Sujeito de sorte (1976) – música de autoria de Belchior (1946 – 2017), lançada pelo artista cearense no álbum Alucinação (1976) – contribui para deixar clara a mensagem positiva do discurso.
"Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro / Ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro". Repetidos na voz de Belchior, em sample sagaz, esses versos reforçam a vida que emana do povo a despeito de todas as adversidades cotidianas.
Carregado da vivência do rapper, o discurso de AmarElo potencializa uma força de vida que se ergue contra a frieza das estatísticas de um Brasil desigual em que, a cada 23 minutos, um jovem negro é morto – de acordo com relatório do Mapa da Violência, de 2014 – e, a cada 20 horas, um LGBTQIA+ tem morte violenta, vítima de assassinato em mais de 72% dos casos ou de suicídio (em 24%).
Inseridos na nota oficial sobre o clipe de AmarElo, esses dados revoltantes mostram que, no Brasil, permanecer vivo já pode ser uma vitória. Filmado no Complexo do Alemão, conjunto de favelas da cidade do Rio de Janeiro (RJ), o clipe abre com a voz de depoente anônimo (das relações de Emicida) que saboreia essa vitória após tentativa de suicídio.
Só que, no discurso empoderado de AmarElo, Emicida vai além ao deixar claro que a proeza de ninguém pode ser resumida ao mero ato de sobreviver. Emicida se permite falar com as cores vivas de quem defende uma vida plena de sentidos e sonhos para o povo das filas, vilas e favelas. Uma vida em que esse povo se enxergue maior dos que os problemas do dia-a-dia. É esse poder que emana do discurso social de Emicida em AmarElo.
Fonte: G1 Pop e Arte - Mauro Ferreira