Em cena desde 2015 com o nome artístico de Chico Chico, o cantor, compositor e músico carioca Francisco Ribeiro Eller ainda continua sendo apresentado como o filho de Cássia Eller (1962 – 2001). Essa insistente associação é fruto tanto da forte herança genética de Chico quanto da dispersão da discografia do artista de 27 anos.
Nesta sexta-feira, 26 de fevereiro, Chico Chico põe mais um disco no mercado fonográfico, dois meses após a edição em dezembro do álbum Onde? (2020) – feito com Fran, nome artístico de Francisco Gil – e duas semanas após o lançamento do single carnavalesco Gatos pingados (2021).
Desta vez, Chico Chico apresenta álbum dividido com o amigo e conterrâneo João Mantuano, cantor, compositor e violonista carioca que, desde 2017, integra a banda 13.7 com Chico Chico, com quem Mantuano vive em comunidade do bairro carioca de Santa Tereza.
Desde dezembro de 2019, Chico Chico e Mantuano lançaram quatro singles em dupla. Dois – Salve-se quem puder (2019) e Entre prédios (2020) – acabaram fora do álbum gravado no estúdio carioca Toca do Bandido, com produção musical de Felipe Rodarte, e editado pelo selo Toca Discos.
Incorporados ao álbum, os outros dois singles apresentaram as músicas A cidade (2020) – parceria de Chico com o percussionista Lucas Videla – e Pra tua (Chico Chico, 2021), composição autoral de tons tortos, em cujo registro fonográfico Chico ecoa o canto e o estilo de Cássia Eller. Pra tua, aliás, teria se ajustado ao universo underground do segundo álbum da cantora, O marginal (1992).
A propósito, fica nítido ao longo do álbum Chico Chico e João Mantuano que os artistas transitam pelas margens do mercado nas gravações de 12 músicas formatadas em estúdio pela dupla com as adesões dos amigos Miguel Dias (baixo), Pedro Fonseca (teclados e edição) e o já citado Lucas Videla (percussão), músicos também creditados como arranjadores.
A estranheza que dá o tom do repertório é o traço de união entre músicas como Casamento (João Mantuano, Marcos Mesmo e Pedro Romão) – faixa com ecos da prosódia da vanguarda paulista dos anos 1980, sintaxe evidenciada na introdução do blues Medo (Chico Chico e Pedro Fonseca) – e Mel (Chico Chico, Pedro Fonseca e Luiz Ungarelli), faixa que parece reverberar a doçura da canção pop rural mineira pela harmonização dos vocais.
Instrumento que sobressai na delicadeza folk-country de Felicidade fria (João Mantuano), o violão é recorrente no disco e se ajusta ao suingue da levada percussiva de Queixo queixa (Chico Chico e Pedro Fonseca).
Já Caixinha colorida (Chico Chico) reativa a sensação – também recorrente no disco – de que a herança de Cássia Eller ainda soa muito forte no canto do filho da artista. Mesmo que Chico Chico jamais possa ser culpado pela força incontrolável do DNA, a semelhança enfraquece a identidade musical do álbum da dupla.
Quando o canto de Mantuano domina o disco, como em Morrer mais cedo (João Mantuano), o eco soa distante, mas, ainda assim, parece estar lá, à espreita, entranhado na atmosfera marginal de álbum cujo repertório abrange músicas como Largo do Machado (Chico Chico), Não tô entendendo nada (João Mantuano) e Vai com Deus (João Mantuano).
A busca por texturas inusitadas valoriza disco bem arranjado sem diluir a sensação de que falta foco mais definido à discografia de Chico Chico, inclusive por se tratar de artista que, ao contrário de vários colegas da atual geração pop, preza a música mais do que a imagem artificialmente construída para ser propagada em redes sociais.
Até nesse sentido Chico Chico e João Mantuano soam deslocados no mercado, pois fazem músicas a partir de emoções reais, sem artifícios ou efeitos de marketing.
Fonte: G1 Mauro Ferreira