“Quanto mais sucesso, menos divertido / Eu não era assim, sou fruto do meio / Meu coração parece um balde furado / Acho que o vazio me pegou em cheio”, rima Djonga ao fim de Nós, primeira das oito músicas inéditas que compõem o repertório autoral do quinto álbum do rapper mineiro, Nu.
A confissão vem ao fim de rap em que Djonga expõe – sobre beats de Nagalli e Coyote Beatz – tensões sociais enfrentadas cotidianamente pelo povo negro em um Brasil estruturalmente racista.
Não, Gustavo Pereira Marques jamais amolece o discurso ao longo do álbum. Basta ouvir o rapper vociferar contra os vacilões em Ó quem chega – sobre a base firme armada pelo habitual colaborador Coyote Beatz – para perceber que Nu é álbum ideologicamente afinado com os antecessores Heresia (2017), O menino que queria ser Deus (2018), Ladrão (2019) e Histórias da minha área! (2020).
E essa coerência extrapola o fato de, assim como os quatro discos anteriores, Nu ter sido posto no mundo digital em um 13 de março, com oito faixas mixadas por Arthur Luna e masterizadas por Ricardo Essucy.
A questão é que, em Nu, Djonga se permite mostrar mais fragilizado pelas angústias decorrentes do sucesso e da pandemia. E isso inclui ficar emocionalmente mais pesado, como o próprio rapper (se) diagnostica em Xapralá, faixa produzida por MDN Beatz e gravada com participação de Budah, nome também presente em Dá pra ser?, faixa produzida por Thiago Braga.
Na letra de Xapralá, Djonga cita Lucas Penteado, cantor e ator que ganhou fama nacional neste ano de 2021 ao participar (e ao desistir do jogo) da 21ª edição do programa Big Brother Brasil (TV Globo). “É melhor desistir ou viver humilhado? Coisas que passam na mente de gente que vem de onde vem, ó, Lucas Penteado”, reflete Djonga, em versos que conferem extrema atualidade a um disco que soa como fruto do momento angustiado enfrentado pela humanidade e dos anseios do universo particular do artista.
Ao procurar luz na escuridão, o rapper pede ajuda em Me dá a mão na forma de lovesong produzida por Coyote Beatz.
No saldo de sentimentos do álbum Nu, Djonga soa mais introspectivo, embora o beat inebriante de faixas como Ricô – rap na qual o artista se junta ao MC mineiro Doug Now – seja contraditoriamente o veículo para a exteriorização de emoções coerentes com as histórias da área do artista.
Em Virgula, Djonga cita e atualiza a letra de Casa de bamba (1968), samba de Martinho da Vila, ao fazer rima com os versos “Na minha casa, ninguém passa fome / Todo mundo bebe e todo mundo come / Na minha casa, vale tudo, chefe / Dança mina com mina e homem com o homem”, sentencia, implodindo preconceitos ainda vigentes, inclusive no universo do hip hop.
No arremate do álbum Nu, Djonga cita em Eu os próprios feitos e vacilos em 2020 – como a proeza de ter sido o único rapper brasileiro indicado ao prêmio norte-americano Bet Hip Hop Awards e como o erro de ter feito em dezembro show com plateia aglomerada em comunidade do Rio de Janeiro, o que gerou críticas e a consequente saída do artista das redes sociais.
Em Eu, Djonga acertas as contas com ele mesmo, se percebendo tão só. “Foda é lidar com o silêncio que vem no fim da festa”, analisa Djonga, solitário, mas de cabeça erguida, consciente de que nem o sucesso como rapper o tirou da mira dos vacilões.
Na impactante imagem da capa do álbum Nu, Djonga pode até oferecer a própria cabeça em bandeja de prata. Contudo, no discurso humanizado e complexo das oito faixas do disco, o rapper se mostra contraditoriamente forte e com as mesmas convicções, ainda que admitindo fragilidades inevitáveis na vida cotidiana.
“No buraco da agulha, eu quero ser o camelo”, avisa Djonga no rap Eu, deixando claro que, não, não vai entregar a cabeça e tampouco as ideias de bandeja.
Fonte: G1 Mauro Ferreira