Assim como a impagável mancha de dendê, símbolo do tempero baiano da saborosa obra de Moraes Moreira, o cancioneiro seminal do artista continua impregnado na música brasileira, sobretudo no som afro-brasileiro produzido no país a partir dos anos 1980.
Reedições de cinco álbuns e dois singles – disponíveis nas plataformas de áudio a partir de hoje, 8 de dezembro – indicam o caminho para ir atrás do trio e da música de Antonio Carlos Moreira Pires (8 de julho de 1947 – 13 de abril de 2020), imortal cantor, compositor e violonista baiano nascido na interiorana cidade de Ituaçu (BA), no árido sertão da Bahia.
Paralelamente, a exposição Mancha de Dendê não sai – Moraes Moreira chega à cidade do Rio de Janeiro (RJ) a partir de domingo, 10 de dezembro, após ter sido inaugurada em Salvador (BA), cidade para onde o artista migrou em 1964 e onde, em 1969, fundou com Baby Consuelo, Luiz Galvão (1937 – 2022), Paulinho Boca de Cantor e Pepeu Gomes um grupo, Novos Baianos, que adicionaria tempero pop à mistura brasileira de samba, choro e rock a partir de 1972, ano do antológico álbum Acabou chorare.
Discípulo tanto da bossa de João Gilberto (1931 – 2019) quanto do baião de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), cuja obra nordestina foi assimilada pelo futuro alquimista Antonio Carlos ainda nos alto-falantes que ditavam a trilha sonora das vidas dos habitantes de Ituaçu (BA), Moraes Moreira se conservou eternamente novo e baiano até sair da vida física para entrar na história da mestiça música brasileira.
Mestiço é isso, ensinou o artista no título do mais vendido dos cinco álbuns que entram hoje em catálogo digital via Sony Music, gravadora então denominada CBS quando Moraes ingressou nesta companhia fonográfica após brilhantes passagens pelas gravadoras Som Livre – onde o cantor debutou na carreira solo em 1975, um ano após ter saído do grupo Novos Baianos – e Ariola.
O suprassumo da discografia solo de Moraes Moreira reside nos acervos dessas duas empresas, sobretudo no quarto álbum solo do artista, Lá vem o Brasil descendo a ladeira (1979), batizado com o nome do samba composto por Moraes com Pepeu Gomes.
Contudo, há muito o que ser ouvido e (re)descoberto no cancioneiro gravado pelo artista nos discos da CBS / Sony Music no período que foi de 1984 a 1991. Mestiço é isso, o já citado álbum de 1986, emplacou nas rádios Sintonia (Moraes Moreira, Fred Góes e Zeca Barreto, 1986), música de letra metalinguística que flertava com os códigos da canção popular romântica – brega, no dicionário das elites culturais. Só que o amor, no universo de Moraes, tinha significado mais amplo.
O amor de Moraes Moreira era a música, as mulheres, os filhos (tendo apresentado Davi Moraes em single editado em 1984 e também relançado no atual pacote) e o país mestiço, o Brasil caracterizado como República da música no título de um dois álbuns de 1988 repostos em catálogo (o outro é Bahiano fala cantando).
Na trilha sonora da república de Moraes Moreira, ouvia-se samba, maracatu, frevo, choro, baião, repente e qualquer outro ritmo que identificasse o Brasil no mapa-múndi musical, mas sem purismos, pois Moraes também recorria à eletricidade da guitarra do rock e até à erudição dos concertos de câmara, bebendo das liberdades tropicalistas que ele soube expandir no posto de principal compositor do grupo Novos Baianos.
Por vezes enquadrado de forma redutora no rótulo de artista “regional”, Moraes dialogou com o Brasil em álbuns como Mancha de dendê não sai (1984) e Tocando a vida (1985), dois títulos que também ganham edições digitais, se juntando a Cidadão (1991), disco já previamente disponibilizado nos aplicativos de áudio.
A diversidade que pautou a obra do artista é também o mote da exposição que poderá ser vista gratuitamente pelos cariocas no Museu Histórico da Cidade, na Gávea, de 10 de dezembro a 12 de fevereiro, de terça-feira a domingo. A intenção é promover a imersão do visitante no universo artístico de Moraes, que também foi poeta e cordelista, com atuação relevante no grande bazar brasileiro.
A mostra Mancha de dendê não sai – Moraes Moreira foi idealizada pela produtora cultural Fernanda Bezerra e pela cenógrafa Renata Mota, que também assina a direção de arte e curadoria da exposição.
Discos e mostra reiteram que Moraes Moreira se equilibrou com maestria no recorrente sobe-e-desce ladeira do Brasil, fazendo a festa e legando ao Pais do Carnaval obra de grandeza ainda não totalmente dimensionada.
Fonte: G1