Para a música brasileira, o ano de 1974 não foi tão renovador quanto 1973, ano de fundamentais estreias fonográficas como as de Fagner, Luiz Melodia (1951 – 2017), João Bosco, Raul Seixas (1945 – 1989), Secos & Molhados e Sérgio Sampaio (1947 – 1994), entre outros nomes.
Basta dizer que quatro dos maiores ícones da MPB – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia e Milton Nascimento – lançaram apenas discos ao vivo com registros de shows em 1974.
Em compensação, Elis Regina (1945 – 1982) apresentou nada menos do que dois (antológicos) álbuns de estúdio, sendo um gravado com Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994).
Em síntese, a produção fonográfica brasileira de 1974 foi pautada por discos que confirmaram tendências e talentos projetados desde o início da década. Ainda assim, para celebrar o ano novo, o Blog do Mauro Ferreira lista dez grandes álbuns de estúdio que se tornam cinquentenários em 2024.
Eis, por ordem alfabética dos títulos do discos, dez álbuns brasileiros de 1974 – gravados em estúdio – que resistiram bem ao tempo ao longo desses 50 anos:
A tábua de esmeralda – Jorge Ben Jor
O alquimista chegou com mais um grande disco. Imerso em universo filosófico e medieval, A tábua de esmeralda se tornou um dos álbuns mais cultuados da fase áurea da discografia de Jorge Ben. Calcado no violão do artista, o disco apresentou músicas como Zumbi, Menina mulher da pele preta e, claro, o hit Os alquimistas estão chegando os alquimistas. Foi produzido por Paulinho Tapajós (1945 – 2013).
Alvorecer – Clara Nunes (1942 – 1983)
A cantora mineira já vinha em escalada ascendente desde que se converteu ao samba, em 1971, em ação orquestrada pelo produtor Adelzon Alves. O álbum Alvorecer consolidou a virada e alçou Clara ao primeiro time de cantoras da música brasileira com o estouro do samba Conto de areia (Romildo Bastos e Toninho Nascimento). O repertório também destacou o samba-titulo de Dona Ivone Lara (1922 – 2018) e Delcio Carvalho (1939 – 2013) e Menino Deus (Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro).
Canta, canta, minha gente – Martinho da Vila
O sambista fluminense explodira em 1969 com o retumbante primeiro álbum solo. Depois, Martinho lançou quatro bons discos com menor repercussão. Canta, canta, minha gente repôs o cantor no topo das paradas. Além da faixa-título, o repertório apresentou o inventivo samba Disritmia, desde então hit obrigatório nos shows do artista.
Cantar – Gal Costa (1945 – 2022)
Gal baixou o tom neste belo álbum que dividiu opiniões na época por cortar o barato de quem preferia a cantora de agudos lancinantes que levantavam a voz contra a opressão. Produzido por Caetano Veloso e Perinho Albuquerque, com arranjos de João Donato (1934 – 2023), Cantar é disco suave, repleto de grandes músicas então inéditas como Barato total (Gilberto Gil) e A rã (João Donato e Caetano Veloso).
Cartola – Cartola (1908 – 1980)
O primeiro álbum solo do bamba carioca projetou definitivamente Cartola. Com arranjos e regências do maestro Horondino José da Silva, o violonista Dino Sete Cordas (1918 – 2006), o disco foi produzido por João Carlos Botezelli (1942 – 2021), o Pelão, tendo sido gravado e mixado em quatro dias com som que remete aos conjuntos regionais dos anos 1940 e 1950. O repertório apresentou joias como Disfarça e chora (Cartola e Dalmo Castello) e Corra e olhe o céu (Cartola e Dalmo Castello), além de ter reapresentado Acontece (1972), O sol nascerá (Cartola e Elton Medeiros, 1964), Sim (Cartola e Osvaldo Martins, 1952) e Tive sim (1968). Um clássico entre os clássicos.
Elis – Elis Regina (1945 – 1982)
Eclipsado na discografia da cantora pelo culto ao álbum Elis & Tom, lançado naquele mesmo ano de 1974, o álbum Elis é um dos discos mais coesos da artista. Arranjado por César Camargo Mariano, o álbum apresentou dois standards da parceria então recente de João Bosco com Aldir Blanc (1946 – 2021) – o samba O mestre-sala dos mares e o bolero Dois pra lá, dois pra cá – no repertório dominado por músicas de Milton Nascimento e Fernando Brant (1946 – 2015), autores de Travessia (1967) e das então inéditas Ponta de areia e Conversando no bar. O álbum Elis já valeria somente pela abordagem densa do samba-canção Na batucada da vida (Ary Barroso e Luiz Peixoto, 1945).
Elis & Tom – Elis Regina (1945 – 1982) e Antonio Carlos Jobim (1927 – 1994)
Um disco com a reunião de um dos maiores compositores do mundo com uma das maiores cantoras do mundo somente poderia resultar fundamental. Os arranjos do pianista César Camargo Mariano – então marido e produtor musical de Elis – inseriram timbres modernos para a época sem macular a obra soberana. Entre as 14 obras-primas do cancioneiro de Jobim, sobressaiu o dueto de Elis e Tom no samba Águas de março (1972), em si tão antológico quanto o disco.
Gita – Raul Seixas (1945 – 1989)
Após marcar época em 1973 com o primeiro álbum solo, Krig,ha, bandolo!, fazendo rock à moda brasileira como se Elvis Presley (1935 – 1977) tivesse nascido no nordeste que gerou Luiz Gonzaga (1912 – 1989), Raul passou com louvor na prova do segundo disco solo. Produzido por Marco Mazzola, Gita consolidou o sucesso e a verve do artista baiano, estourando músicas como a faixa-título, parceria de Raul com Paulo Coelho, também letrista de Sociedade alternativa e de Medo da chuva. Sozinho, Raul assinou O trem das sete neste disco provocador e místico.
Pra seu governo – Beth Carvalho (1946 – 2019)
Beth Carvalho vinha abrindo alas no mundo do samba desde 1971. Sem espaço na Odeon, gravadora que investia em Clara Nunes como sambista, a cantora foi para a Tapecar. Nessa gravadora nacional de artilharia menos pesada no mercado fonográfico, a artista debutou em 1973 com belo álbum, Canto por um novo dia. Mas foi com o segundo disco na Tapecar, Pra seu governo, que Beth de fato se popularizou no samba por conta do sucesso de 1.800 colinas (Gracia do Salgueiro, 1974). Dali em diante, a carreira da cantora engrenou.
Sinal fechado – Chico Buarque
Como a censura vetava as músicas de Chico Buarque assim que via o nome do compositor na letra, a saída foi fazer disco de intérprete, primeiro e único do cantor no gênero. Caetano Veloso mandou o samba Festa imodesta. Gilberto Gil ofereceu Copo vazio, canção cheia de metáforas. E Chico, malandro, foi para a praça outra vez, ludibriando os censores com a criação do pseudônimo Julinho da Adelaide, a quem foi creditado o samba Acorda, amor. O repertório do álbum Sinal fechado incluiu Sem compromisso (Geraldo Pereira e Nelson Trigueiro, 1944), samba desde então recorrente nos roteiros dos shows de Chico Buarque.
Fonte: G1