02/07/2024

Musical sobre Rita Lee põe em cena a leveza pop de sua autobiografia

Em 2014, Mel Lisboa atingiu ponto de virada na carreira de atriz ao interpretar Rita Lee (31 de dezembro de 1947 – 8 de maio de 2023) em performance que salvou um musical de dramaturgia confusa, repleta de alucinações e imprecisões históricas, em sintonia com o livro que inspirou o texto, Rita Lee mora ao lado (2014), misto de biografia e ficção escrita por Henrique Bartsch (1951 – 2011).

Dez anos depois, Mel Lisboa volta a dar voz e vida a Rita Lee no palco em interpretação que alavanca outro musical sobre a artista paulistana que saiu de cena no ano passado.

Sucesso fenomenal no Teatro Porto, onde ficará em cartaz na cidade de São Paulo (SP) até 15 de setembro, com ingressos já esgotados para a toda temporada, Rita Lee – Uma autobiografia musical é espetáculo muito melhor do que a peça de 2014.

Desta vez, o livro que guia o texto de Márcio Macena – que também assina a direção do musical ao lado de Débora Dubois – é a saborosa autobiografia lançada por Rita Lee em 2016 com retumbante sucesso de vendas.

Com pesquisa e roteiro de Guilherme Samora, colaborador de Rita na contextualização dos fatos da autobiografia best-seller, o corrente musical de 2024 consegue transpor para o palco a leveza pop do livro de Rita. Por isso, as duas horas e 20 minutos da narrativa – apresentada sem o intervalo típico dos musicais – transcorrem agradáveis, felizes. O espetáculo flui bem.

Ajudada por primorosa caracterização, Mel Lisboa brilha da primeira à última cena em triunfo pessoal que jamais anula os êxitos episódicos de outros atores do afinado elenco, em especial o de Fabiano Augusto – aplaudido ao personificar Ney Matogrosso no canto de Bandido corazón (Rita Lee, 1976) – e o de Débora Reis, impagável como Hebe Camargo (1929 – 2012) na reconstituição da histórica ida de Rita ao programa da apresentadora de TV.

O musical é tão fiel à autobiografia de Rita Lee que, assim como o livro, pouco informa com precisão sobre a trajetória profissional da cantora e compositora. Na ausência de contextualização mais sólida, o musical será mais bem entendido por quem já tiver informações prévias sobre a carreira da roqueira.

Mas, sim, está tudo lá, ainda que de forma superficial. E esse tudo inclui naturalmente a ascensão da artista no trio Os Mutantes – cuja controvertida saída é obviamente contada somente do ponto de vista de Rita Lee – e a formação da efêmera dupla Cilibrinas do Éden com Lúcia Turnbull em 1973, assim como a união da cantora com o grupo Tutti Frutti em 1974.

Todos esses acontecimentos são narrados quase como uma pré-história para o ponto de virada na vida afetiva e musical de Rita. É quando ela encontra em 1976 o guitarrista Roberto de Carvalho, personagem confiado a Bruno Fraga, ator com o apropriado physique du role para viver o compositor e músico que virou a cabeça e a música de Rita Lee. O amor do casal dá o tom da segunda metade da peça.

Como a leveza é senhora da cena, o mergulho de Rita no álcool e nas drogas é abordado de forma rasa e rápida, mas não a ponto de absolver Santa Rita de Sampa dos pecados do mundo mundano.

O fato é que não dá para ficar imune ao poder de sedução de Rita Lee – Uma autobiografia musical, inclusive porque o cancioneiro autoral de Rita Lee, antes e depois da parceria lapidar com Roberto de Carvalho, é tão aliciante que carrega qualquer espetáculo nas costas, sendo tocado ao vivo em cena por banda que inclui o virtuoso guitarrista Rovilson Pascoal.

Por isso mesmo, são imperdoáveis os dois deslizes do roteiro. O primeiro é abordar o terceiro álbum de Rita com o grupo Tutti Frutti, Entradas & bandeiras (1976), com o canto de música (Luz del fuego) do álbum anterior, Fruto proibido (1975), um dos títulos fundamentais da discografia de Rita.

O outro deslize é falar dos êxitos sucessivos da parceria de Rita e Roberto nas paradas, no período de 1979 a 1983, e apresentar na sequência a música Jardins da Babilônia (1978), composta por Rita com Lee Marcucci, baixista da banda Tutti Frutti.

De todo modo, nada apaga o brilho do musical, em especial o triunfo de Mel Lisboa, atriz que saboreia nova apoteose cênica ao viver Rita Lee no palco quando a própria Rita Lee já habita outra dimensão. São coisas da vida. E a gente sabe que fica feliz na plateia deste espetáculo sobre a história de mulher que desafiou as leis e as modas do mundo dos homens.

 

Fonte: G1

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