Se o samba é a tristeza que balança, como sentenciou Vinicius de Moraes (1913 – 1980) em verso do Samba da benção (1966), essa tristeza balançou com suprema elegância no samba de outro poeta, o compositor Oscar da Penha (5 de agosto de 1924 – 3 de janeiro de 1997), imortalizado como Batatinha nas rodas da Bahia natal e nos pagodes mais antenados do Brasil.
De origem pobre, Batatinha veio ao mundo em Salvador (BA) há exatos 100 anos. Mestre no batuque da caixa de fósforos, mote da criação da obra do artista, o sambista de fina estampa extrapolou as rodas soteropolitanas quando Jamelão (1913 – 2008) gravou o samba Jajá da Gamboa, do qual o cantor de Mangueira consta como coautor, em single editado em 1960.
Cinco anos depois, a difusão foi maior quando a conterrânea Maria Bethânia apresentou o samba Diplomacia – obra-prima da parceria de Batatinha com J. Luna – ao público carioca no roteiro do teatralizado show Opinião em 1965. Só que tal expansão foi insuficiente para fazer de Batatinha um bamba com a merecida visibilidade nacional.
“Meu desespero ninguém vê / Sou diplomado em matéria de sofrer”, cantava Bethânia, dando voz a versos que expunha a sofrência depurada no cancioneiro de Batatinha.
Reputado como moço de fino trato, Batatinha fazia samba triste, tendo legado joias como Hora da razão (Batatinha e J. Luna, 1971), Imitação (Batatinha, 1971) e Toalha da saudade (Batatinha e J. Luna, 1971). Música propagada por Maria Bethânia no show Rosa dos ventos (1971), em medley com Hora da razão e Imitação, Toalha da saudade batizou álbum lançado por Batatinha em 1976.
Em que pesem as expressivas contribuições de Bethânia para propagar a obra de Batatinha, o poeta baiano do samba permaneceu mais cultuado na Bahia, embora o cancioneiro do compositor tenha influenciado colegas de outros estados, a exemplo do torto sambista paulistano Romulo Fróes.
“100 anos hoje de um dos maiores gênios da música popular brasileira e um dos pilares da minha música. Viva Batatinha!!!!”, saudou Romulo hoje em rede social no dia do centenário do bamba, ajudando a quebrar silêncio ensurdecedor sobre a efeméride.
Com trajetória documentada no filme Batatinha – Poeta do samba (2009), o compositor construiu obra refinada que carrega lamento que também pode ser interpretado como um eco do soluçar de dor do povo afrodescendente na travessia transatlântica, ainda que a dor no samba de Batatinha seja exposta na esfera individual.
“Sofrer também é merecimento / Cada um tem seu momento / Quando a hora é da razão / Alguém vai sambar comigo / E o nome eu não digo / Guardo tudo no coração”, ressaltou o poeta em versos de Hora da razão, dando a pista da requintada introspecção que pautou a vida e a obra do artista.
Fonte: G1